Prosódia

 

O que é prosódia?

 

Fonologia Prosódica

O conceito de estrutura prosódica adotada neste estudo pressupõe, conforme postulado por Selkirk (1984, 1986, 2000) e, especialmente, por Nespor e Vogel (2007 [1986]), que domínios prosódicos hierarquicamente organizados e universais são gerados a partir da interface entre a fonologia e outros módulos da gramática. Segundo as duas últimas autoras, os domínios prosódicos são os seguintes: sílaba, pé, palavra fonológica, grupo clítico, sintagma fonológico, sintagma entoacional e enunciado fonológico. Para a descrição entoacional do português de maneira geral, além do sintagma entoacional (IP) ora mencionado, a palavra fonológica (PW) e o sintagma fonológico (PhP) são também domínios relevantes. Sucintamente, a definição desses três domínios prosódicos, conforme esclarecemos em trabalho anterior (Santos e Fernandes-Svartman 2018: 203), é a seguinte:

Na formação dos domínios prosódicos em português, assume-se, em linhas gerais, que a PW é o domínio prosódico no qual pode haver apenas um acento primário (ou lexical) (Vigário 2003). Por sua vez, PhP corresponde ao domínio que abrange um núcleo lexical e todos os elementos funcionais de seu lado não recursivo que ainda estejam dentro da projeção máxima de tal núcleo; além disso, pode ainda abranger, opcionalmente, o sintagma subsequente que seja complemento não ramificado desse mesmo núcleo lexical (Frota 2000). Já IP consiste em: (i) todos os PhPs em uma sequência que não esteja incorporada estruturalmente à árvore da sentença; (ii) toda sequência de PhPs adjacentes pertencentes a uma sentença raiz; (iii) um contorno entoacional, cujas fronteiras coincidem com a posição nas quais pausas gramaticais podem ser inseridas em um enunciado (Frota 2000). Sobre os domínios prosódicos em português, confira, entre outros: Schwindt (2000, 2001), Vigário (2003), Simioni (2008) e Toneli (2009, 2014) para PW; Frota (2000), Sandalo e Truckenbrodt (2003) e Tenani (2002, 2004) para PhP; e Frota (2000) e Tenani (2002) para IP.

Hierarquia prosódica proposta para o português a partir de Nespor e Vogel (1986)

Hierarquia prosódia proposta para o português a partir de Nespor e Vogel (1986).

Fonologia Entoacional

A perspectiva teórica autossegmental-métrica de análise entoacional vem sendo desenvolvida nos últimos 40 anos com base em evidências empíricas de diversas línguas tipologicamente distintas e tem possibilitado a apreensão de unidades discretas e subjacentes ao sistema entoacional de forma precisa e consistente (e.g. Pierrehumbert 1980; Ladd 2008 [1996]; Gussenhoven 2004; Jun 2005, 2014; Frota & Prieto 2015).

Na perspectiva autossegmental-métrica da fonologia entoacional, a variação melódica é interpretada a partir de eventos tonais locais, formados por apenas dois níveis de altura: alto (H, high) e baixo (L, low). Entre os eventos tonais de maior relevância na descrição de propriedades entoacionais do português e dos enunciados aqui discutidos estão os acentos tonais e os tons de fronteira (e.g. Frota 2000; Tenani 2002; Cruz 2013; Frota et al. 2015; Santos 2015; Braga 2018).

Os acentos tonais são movimentos melódicos associados a sílabas metricamente proeminentes, ou seja, portadoras de acento lexical. Eles podem ser tanto monotonais, referindo-se a um pico (H) ou a um vale (L) locais, quanto bitonais, denotados por uma ascendência (L+H, L+H) ou descendência (H+L, H+L). O asterisco indica o tom associado à sílaba tônica e o sinal “+” indica que o acento tonal resulta da combinação de dois tons. Já os tons de fronteira são movimentos melódicos (alto: %H, H%; baixo: L%; ascendente: LH%; descendente: HL%) associados à fronteira de um constituinte prosódico, mais especificamente o sintagma entoacional (IP), sendo realizados nas sílabas limites desse constituinte. Convencionalmente, o sinal “%” anteposto ao tom (ex.: %H) indica uma associação tonal à fronteira esquerda de IP, e quando posposto, à fronteira direita (ex.: H%).

De acordo com a Fonologia Entoacional Autossegmental-Métrica, a associação de eventos tonais à cadeia segmental depende das relações de constituência e proeminência estabelecidas na estrutura prosódica.

 

Referências

  • Frota, Sónia & Pilar Prieto (eds.). 2015. Intonation in Romance. New York: Oxford University Press.
  • Gussenhoven, Carlos. 2004. The phonology of tone and intonation. New York: Cambridge University Press.
  • Jun, Sun-Ah (ed.). 2005. Prosodic typology: the phonology of intonation and phrasing. New York: Oxford University Press.
  • Jun, Sun-Ah (ed.). 2014. Prosodic Typology II: the phonology of intonation and phrasing. New York: Oxford University Press.
  • Ladd, D. Robert. 2008 [1996]. Intonational Phonology, 2nd ed. Cambridge: Cambridge University Press.
  • Nespor, Marina & Irene Vogel. 1986. Prosodic Phonology. Dordrecht: Foris Publications.
  • Nespor, Marina & Irene Vogel. 2007. Prosodic Phonology: with a new foreword. Berlin: Mouton de Gruyter.
  • Pierrehumbert, Janet. 1980. The phonology and phonetics of English intonation. Massachusetts Institute of Technology, PhD Thesis.
  • Selkirk, Elisabeth O. 1984. Phonology and syntax: the relation between sound and structure. Cambridge: The MIT Press.
  • Selkirk, Elisabeth O. 1986. On derived domains in sentence phonology. Phonology Yearbook 3. 371-405.
  • Selkirk, Elisabeth O. 2000. The interaction of constraints on prosodic phrasing. In Merle Horne (ed.), Prosody: theory and experiment, 231-261. Netherlands: Kluwer Academic Publishers.

Referências adicionais

  • Cruz, Marisa. 2013. Prosodic variation in European Portuguese: phrasing, intonation and rhythm in central-southern varieties. Universidade de Lisboa, PhD Thesis.
  • Fernandes, Flaviane Romani. 2007. Ordem, focalização e preenchimento em português: sintaxe e prosódia. Universidade Estadual de Campinas, Campinas, Tese de Doutorado.
  • Frota, Sónia. 2000. Prosody and focus in European Portuguese: phonological phrasing and intonation. New York: Garland Publishing.
  • Frota, Sónia. 2014. The intonational phonology of European Portuguese. In Sun-Ah Jun (ed.), Prosodic typology II: the phonology of intonation and phrasing, 6-42. Oxford: Oxford University Press.
  • Frota, Sónia & João Antônio de Moraes. 2016. Intonation of European and Brazilian Portuguese. In W. Leo Wetzels, João Costa & Ségio Menuzzi (eds.), The handbook of Portuguese linguistics, 141-166. Oxford, UK: Wiley Blackwell.
  • Frota, Sónia & Marina Vigário. 2000. Aspectos de prosódia comparada: ritmo e entoação no PE e no PB. In Rui Vieira de Castro & Pilar Barbosa (eds.), Actas do XV Encontro Nacional da Associação Portuguesa de Linguística. Coimbra: Associação Portuguesa de Linguística; 2000. vol. 1. p. 533-555.
  • Frota, Sónia & Marina Vigário. 2007. Intonational phrasing in two varieties of European Portuguese. In Tomas Riad & Carlos Gussenhoven (eds.), Tones and tunes, vol. 1, 265-291. Berlin: Mouton de Gruyter.
  • Moraes, João Antônio de. 2008. The pitch accents in Brazilian Portuguese: analysis by synthesis. In Plínio Almeida Barbosa, Sandra Madureira, Carlos Reis (eds.), Speech Prosody 2008: fourth conference on speech prosody, 389-397. Campinas: Universidade Estadual de Campinas.
  • Moraes, João Antônio de & Manuela Colamarco. 2007. Você está pedindo ou perguntando? Uma análise entonacional de pedidos e perguntas no português do Brasil. Revista de Estudos da Liguagem 15(2). 113-126.
  • Prieto, Pilar & Teresa Cabré (eds.). 2013. L’entonació dels dialectes catalans. Barcelona: Publicacions de l’Abadia de Montserrat.
  • Sandalo, Filomena & Hubert Truckenbrodt. 2003. Some notes on phonological phrasing in Brazilian Portuguese. D.E.L.T.A.: Documentação de Estudos em Lingüística Teórica e Aplicada 19(1). 1-30.
  • Schwindt, Luiz Carlos da Silva. 2000. O prefixo do português brasileiro: análise morfofonológica. Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Tese de Doutorado.
  • Schwindt, Luiz Carlos da Silva. 2001. O prefixo no Português Brasileiro: análise prosódica e lexical. D.E.L.T.A.: Documentação de Estudos em Lingüística Teórica e Aplicada 17(2). 175-207.
  • Serra, Carolina Ribeiro. 2009. Realização e percepção de fronteiras prosódicas no português do Brasil: fala espontânea e leitura. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Tese de Doutorado.
  • Serra, Carolina Ribeiro & Ingrid da Costa Oliveira. 2018. Observações sobre fraseamento prosódico e densidade tonal no Português de Moçambique. Filologia e Linguística Portuguesa 20(esp.). 95-118. DOI: https://doi.org/10.11606/issn.2176-9419.v20iEspecialp95-118
  • Silva, Carolina Gomes da et al. 2016. A entoação da ordem no português do brasil: uma descrição dialetal a partir do corpus ALiB. Journal of Speech Sciences 5(2). 29-45.
  • Simioni, Taíse. 2008. O clítico e seu lugar na estrutura prosódica em português brasileiro. ALFA: Revista de Linguística 52(2). 431-446.
  • Tenani, Luciani Ester. 2002. Domínios prosódicos no português do Brasil: implicações para a prosódia e para a aplicação de processos fonológicos. Universidade Estadual de Campinas, Tese de Doutorado.
  • Tenani, Luciani Ester. 2004. A importância da proeminência da frase fonológica no português brasileiro. Revista de Estudos da Linguagem 12(2). 289-318.
  • Toneli, Priscila Marques. 2009. A palavra prosódica no português brasileiro: o estatuto prosódico das palavras funcionais. Universidade Estadual de Campinas, Dissertação de Mestrado.
  • Toneli, Priscila Marques. 2014. A palavra prosódica no português brasileiro. Universidade Estadual de Campinas, Tese de Doutorado.
  • Vigário, Marina. 2003. The prosodic word in European Portuguese. Berlin-New York: Mouton de Gruyter.
  • Vigário, Marina. 2007. O lugar do Grupo Clítico e da Palavra Prosódica Composta na hierarquia prosódica: uma nova proposta. In Maria Lobo & Maria Antonieta Coutinho (orgs.), XXII Encontro da Associação Portuguesa de Linguística – Textos Seleccionados, 673-688. Lisboa: Colibri Artes Gráficas.
  • Vigário, Marina. 2010. Prosodic structure between the prosodic word and the phonological phrase: recursive nodes or an independent domain? The Linguistic Review 27(4). 485-530. DOI: http://doi.org/10.1515/tlir.2010.017
  • Vigário, Marina & Flaviane Romani Fernandes-Svartman. 2010. A atribuição de acentos tonais em compostos no português do Brasil. In Ana Maria Brito et al. (orgs.), XXV Encontro da Associação Portuguesa de Linguística – Textos Seleccionados, 796-786. Porto: Tip. Nunes Ltda/Maia.